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Férias e Performance

No mundo onde cada vez mais os trabalhos operacionais são automatizados e o que cria valor na economia são atividades que as máquinas jamais substituirão (criativas, de gestão, de colaboração entre pessoas), a produtividade deixa de ser um conceito linear e vemos alguns efeitos que pareceriam bastante contra-intuitivos no paradigma anterior: como o fato de que parar de trabalhar (férias) pode melhorar seus resultados e performance.

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Chega o mês de Agosto e aqui na Europa estamos em temporada de férias. Verão, calor, sol até tarde e recesso escolar para os pequenos. É o equivalente a nossa temporada de Natal a Carnaval no Brasil: o momento ideal para tirar umas semaninhas e recarregar as energias. Nesse clima de pausa resolvi dedicar a coluna a esse tema e suas consequências.

Na busca constante por produtividade, a quantidade de dias de férias vem caindo. Nos Estados Unidos, o funcionário médio aproveitava 20 dias de recesso em 1978 e após 2015 o número caiu para abaixo de 17 dias, com 30% dos americanos com mais de dois anos sem tirar nenhum tempo pessoal. Porém, como veremos hoje, abrir mão dessa ferramenta pode estar prejudicando mais do que ajudando a economia global.

Férias não são um conceito novo. A economia rural sempre teve seus momentos de descanso entre as estações de plantio e colheita. Afinal de contas, era impossível acelerar os tempos da natureza e por mais motivado que fosse o agricultor, iniciar o plantio no Inverno seria impossível. Até hoje, muitas das festividades que celebramos tem sua origem histórica nos momentos do calendário agrícola.

Veio então a Revolução Industrial no século 18, onde um percentual cada vez maior da população foi deixando as fazendas e se integrando a um modelo de produção capaz de operar 365 dias por ano graças à eficiência das máquinas que não dependiam mais do clima e da estação para seu funcionamento. Descanso era, então, perda de produtividade, e o Domingo passou a ser o único dia dedicado a ele, graças à influência das tradições religiosas que com sabedoria milenar já entendiam a sua utilidade social. Esse período durou até que os trabalhadores começaram a organizar-se em sindicatos, reivindicar direitos e em 1871 o Bank Holiday Act na Inglaterra passou a dar alguns dias de descanso remunerado aos trabalhadores. Em 1948 a Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas colocou no seu artigo 24 que “Todos têm direito ao descanso e ao lazer” e em 1970 passou a sugerir 3 semanas de férias como boa prática internacional.

Hoje em dia não vivemos mais em uma economia agrícola, onde a produtividade era regida pelo clima, e nem na economia do século 18, onde era questão de apertar o mesmo parafuso o mais rápido possível.
No mundo onde cada vez mais os trabalhos operacionais são automatizados e o que cria valor na economia são atividades que as máquinas jamais substituirão (criativas, de gestão, de colaboração entre pessoas), a produtividade deixa de ser um conceito linear (mais trabalho -mais resultado) e vemos alguns efeitos que pareceriam bastante contra-intuitivos no paradigma anterior: como o fato de que parar de trabalhar (férias) pode melhorar seus resultados.

Um mundo diverso

A primeira observação é que em um mundo tão grande e plural, o assunto “férias” também é tratado de forma bastante diferente. Do ponto de vista legal temos diversas situações ao redor do mundo. Um deles é o modelo americano que não tem uma quantidade mínima de dias por lei e o assunto é sempre tratado de através das negociações individuais. Temos também o modelo chinês, que se baseia em recessos coletivos durante as “Semanas Douradas”, (como o Ano Novo Chinês entre Janeiro e Fevereiro). Também temos o modelo europeu com seus 20-30 dias de descanso remunerado (dependendo do país) e que inspirou o modelo Brasileiro.
Culturalmente, também temos muitas diferenças. Nos Estados Unidos 84% dos executivos já cancelaram férias por motivos de trabalho e 41% checam e-mails e resolvem questões de trabalho durante os dias de descanso, enquanto na França 91% tiram na totalidade os seus 30 dias e poucos sentem a necessidade de trabalhar nesse período.

Bem-Estar

A ciência não deixa dúvidas que tirar férias faz bem para a mente e os estudos comprovam que elas melhoraram a sensação de bem-estar.
Diversas publicações mostram os seus efeitos positivos sobre o fantasma do burnout, considerado uma verdadeira epidemia de acordo com a própria OMS, que estima 324 bilhões de dólares perdidos anualmente na economia global devido ao excessivo estresse no ambiente de trabalho. Porém, viver esperando o próximo recesso não parece ser uma boa ideia para o longo prazo, pois após apenas 4 semanas os efeitos positivos sobre o stress e o burnout tendem a voltar ao período pós-férias (Etzion 2011, 2010). Ou seja, as férias ajudam, mas não resolvem esse problema.

Reforço na Motivação

Mas além dos benefícios de saúde mental existem razões bem pragmáticas para aproveitar as férias. Muitas vezes, a forma mais efetiva de se manter focado é desfocar por um período controlado. Cientistas têm tentado entender o caminho neurológico que faz com que isso aconteça, mas evidências mostram que “desativar” um objetivo por um curto período de tempo é uma forma bastante efetiva de garantir que a atenção a ele se mantenha em alta. É como se nosso cérebro se acostumasse com o fato de ter uma vigilância constante sobre certas metas e lentamente fosse perdendo a capacidade de se manter atento a elas. Pausas esporádicas onde esse objetivo não é prioridade reativam esse controle neurológico.
Então sim, aquela garra e motivação que você sente depois do primeiro cafezinho na volta das férias tem explicação na neurociência.

Os grandes atletas de elite e treinadores olímpicos já entenderam isso a muito tempo, basta olhar os ciclos anuais de treinamento dos grandes campeões e medalhistas. Todos incorporam ciclos de pelo menos duas a três semanas de descanso e a grande maioria tem ao menos duas semanas de pausa absoluta, com um break total em treino e dieta. Claro que a questão física e hormonal é preponderante para um atleta, mas muitos citam também o benefício mental desse foco renovado. Ou seja, aprenderam de forma empírica o efeito acima: descansar a mente é agradável e mantém o foco.

Criatividade

Como já pontuamos aqui em outro artigo, a criatividade é um dos mais importantes diferenciais competitivos na economia de hoje. O Fórum Econômico Mundial a colocou entre as top 3 habilidades de trabalho na indústria 4.0 e alguns a chamam de a habilidade mais importante do século 21.

Essa habilidade tão fugaz, tão efêmera, tão volátil é muito difícil de controlar e estimular (ainda mais no nível de escala de uma grande organização), mas uma boa política de férias pode ser uma das ferramentas mais simples para estimular no seu time essa tão preciosa habilidade.
A neurociência nos mostra que as ondas-alfa no cérebro são chave para a criatividade e que elas são acionadas em momentos de relaxamento e ocio, ajudando nosso cerebro a criar conexões novas e não usuais. Para completar, um tempo offline ajuda a diminuir os níveis de cortisol, o hormônio do stress, que é um dos grandes vilões do pensamento criativo.

Além disso, um outro efeito interessante é de que estar exposto a novidades tem um poderoso efeito. Estudos interessantes mostram que a área SN/VTA do nosso cérebro, que está bastante ligada ao aprendizado e criatividade é ativada quando somos expostos a novidades. Somente ser exposto a fotos de cenários diferentes em um laboratório já causa um impacto nessa área e aumenta nossa capacidade criativa. Agora, imagine o impacto de uma viagem para um continente novo, com novos visuais, cheiros, sabores e culturas.

Melhor ainda se o tempo de férias for em contato com a natureza. Em um outro estudo, participantes que ficaram quatro dias na natureza sem uso de telefones celulares tiveram 50% de impacto na criatividade no curto prazo. Cin-quen-ta por cento de crescimento em um dos skills mais importantes do século 21 é algo que tem impacto claro nos negócios. Pense nisso!

Big Picture

No mesmo Future of Job reports, o fórum Econômico Mundial mostra que na medida que as máquinas vão automatizando funções de processamento mais básico, cresce a necessidade de profissionais com mais capacidade de pensamento crítico e solução de problemas complexos.
Um grande dilema que a maioria dos profissionais enfrenta é o fato de estarem sempre tão envolvidos com as infinitas demandas do dia-a-dia, tão dentro do loop infinito de reuniões, calls, entregas, que não sobra tempo para pensar no futuro, olhar o negócio “de cima”, fazer conexões estratégicas mais macro. A famosa big picture que tanto se fala mas a qual poucos conseguem se dedicar na prática.
De fato, não é nada fácil virar a chave entre execução tática e pensamento estratégico no dia-a-dia, então essa pode ser uma ótima forma de utilizar as férias. Não que você tenha que levar um quadro negro para a praia para fazer seu próximo planejamento estratégico com os pés na areia, mas um pouco de tempo sobrando na agenda, aquela longa caminhada na praia, 8 horas em um vôo, momento perfeito para dedicar a mente a explorar de forma mais aberta os caminhos de longo prazo.

Se possível, viaje!

Quando perguntados sobre qual sua forma preferida de utilizar um tempo de recesso maior do que dois dias, a maioria dos profissionais cita viajar. E aparentemente, essa é uma ótima escolha.
Pesquisas sobre o tema mostram que férias com viagem, especialmente as para fora do pai’s, contribuem mais para o bem-estar do que aquelas em que você fica na mesma cidade (também conhecidas pelo nome descolado de staycation), com um efeito negativo especialmente acentuado se elas envolverem ficar sentado no sofá vendo televisão.
Insight que foi confirmado por estudo da Universidade de Vermont que cruzou dados do Twittter para confirmar que quanto mais longe de casa, maior o bom humor aumenta durante as férias.

O tempo certo de descanso também parece ser importante. Estudos observam que a faixa de 11 a 15 dias descansados parece ser o período que otimiza os seus resultados benéficos.
Leve em conta na hora de planejar as suas próximas!

E os resultados?

Se, ao que tudo indica, estar com as férias em dia tem grandes benefícios em habilidades importantes para o mercado de trabalho, seria possível correlaciona-la a resultados?
Aparentemente, sim. Pesquisa publicada na Harvard Business Review (Project Time Off: 2016) mostra que executivos que tiraram mais de 11 dias de férias têm 30% mais probabilidade de ganharem aumento ou promoção, contrariando uma visão ainda bastante comum de que performance é relacionada a menos férias.

Os efeitos na performance são marcantes! A produtividade aumenta 31% nesses executivos e aqueles com funções ligadas a vendas tem seus resultados de faturamento 37% mais altos. Então não seria nenhuma surpresa que eles fossem também mais bem-sucedidos.

No mesmo cruzamento de dados, 27% daqueles funcionários que usaram na totalidade seus dias de férias foram promovidos em um ano, contra 23% dos que não usaram o benefício na totalidade.
Em aumentos, o resultado foi parecido: Em um período de 3 anos, 84% dos “utilizadores de férias” receberam algum aumento, contra 78% do outro grupo.

Reflexão

Como sempre, gosto de deixar aqui um pouco de reflexão pessoal para tornar a nossa conversa mais humana. Eu sempre tive uma relação ambígua com o tema. Ao mesmo tempo, sempre fui um apaixonado por viagens e não via a hora de conseguir explorar mais um cantinho do mapa, mas também sempre tive dificuldade de desligar e lidar com a ansiedade. Eu ficava meses sonhando e planejando a próxima aventura, mas no momento que entrava no avião sentia a sensação de estar abandonando minhas responsabilidades .Ainda sinto! Ficar um tempo longe das rédeas do negócio sempre foi um exercício difícil para mim.
No meu desenvolvimento como líder, aprender a confiar no time para entregar os resultados na minha ausência não foi automático, mas foi mais rápido que resolver um outro bloqueio. O mais difícil para mim foi a minha relação com o “exemplo”. Eu sempre acreditei muito em ser um modelo das atitudes e comportamentos que eu esperava do meu time e a tal da “Liderança pelo Exemplo” teve um impacto muito grande na minha formação. Isso dificultou minha relação com as férias, pois me fazia sentir uma certa hipocrisia: se eu como líder, estava de com o pé na areia no Caribe, como poderia esperar que o time estivesse dando o seu melhor na minha ausência?
Demorei um tempo até entender que o tal do exemplo que eu deveria dar era justamente o de tirar alguns dias. Se partirmos do pressuposto de que um tempo de descanso é uma ferramenta de produtividade, criatividade, gestão de stress e tem benefícios de curto e longo prazo como vimos acima, talvez um dos exemplos mais importantes que o líder possa dar é de que está tudo bem tirar alguns dias para repor as energias sem culpa e sem medo e que isso não somente é aceito como valorizado na empresa. Então, pense nisso quando estiver planejando seu time-off.
Nos vemos mês que vem, pois agora eu também vou tirar uns diazinhos!

Algumas fontes:

-Sonnentag, Kuhnel 2010, How long do you benefit from vacation? A closer look at the fade-out of vacation effects
-Sonnentag 2012. Psychological Detachment From Work During Leisure Time: The Benefits of Mentally Disengaging From Work
-Lleras 2011 Brief and rare mental “breaks” keep you focused: deactivation and reactivation of task goals preempt vigilance decrements
-HBR the Data Driven Case for Vacation https://hbr.org/2016/07/the-data-driven-case-for-vacation
-The impact of vacation and job stress on burnout and absenteeism Mina Westman &
Dalia Etzion
-Bretland et al 2021 – Reducing workplace burnout: the relative benefits of cardiovascular and resistance exercise
-Future of Jobs Report, 2018, World Economic Forum

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