Os ecossistemas estão chegando. Estão chegando os ecossistemas.

Ecossistemas estão chegando com tudo. Estamos observando fusões e aquisições no varejo brasileiro. E esse movimento está atribuindo a velocidade da tecnologia que permitiu um salto na inteligência artificial, com isso estamos vivendo a centralidade no cliente e o efeito na rede.

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“Os eventos futuros projetam sua sombra muito antes.” 

Quando Cícero disse esta frase, há mais de 2.000 anos, ele não comprava no Mercado Livre, nem assinava Amazon Prime. Não seguia a Lu do Magalu no Tik Tok ou tinha tomado um Uber Pool no horário de pico. Mas a frase do célebre orador romano está mais viva que nunca, se aplicada à formação acelerada dos novos ecossistemas de negócios.

Nas últimas semanas temos visto várias fusões e aquisições no varejo brasileiro. Players tradicionais se unindo a startups, disputa por marcas e ativos, aceleração digital e arenas de negócio ficando cada vez menos definidas.

Quem se surpreendeu com a velocidade desta transformação, não prestou atenção às sombras, que vêm sendo projetadas mundo afora nas últimas décadas.

É natural que se atribua à tecnologia grande parte desta transformação. Afinal, a computação em nuvem democratizou o acesso à tecnologia, habilitou processamento e disponibilização de dados em alta velocidade e possibilitou um salto na inteligência artificial. E o 5G vai ligar mais uma turbina neste foguete. Mas a tecnologia é apenas o meio. 

Destaco dois outros elementos de negócios que se fortaleceram com o salto tecnológico e, combinados, deram o tom estratégico dos últimos movimentos de mercado: a centralidade no cliente e o efeito de rede.

O cliente nem sempre teve razão

Até a metade do século vinte, as empresas enfrentavam pouca concorrência. O que contava era o domínio da cadeia de valor. Ganhava a maior eficiência operacional.

A estratégia como ciência aplicada aos negócios começa para valer no final dos anos 60, quando a competição fica mais acirrada – e se estabelece definitivamente em 1979, no artigo seminal de Michael Porter na Harvard Business Review. Se você estudou estratégia de negócios entre os anos 80 e 90, provavelmente sua principal fonte foi Porter. 

O que mais chama a atenção na sua obra, hoje em dia, é o quanto os competidores são mais importantes que o cliente. O consumidor está lá, mas é apenas uma das 5 forças, e a própria representação gráfica o deixa de lado, meio coadjuvante. 

Essa abordagem dominou a teoria empresarial por décadas, influenciando toda uma geração de empreendedores e empresários e isso só começa a mudar em meados dos anos 2000. 

Um exemplo que captura esse novo espírito é a Estratégia do Oceano Azul, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne, de 2005. A ideia central da teoria, que explicava o sucesso do Cirque du Soleil e Starbucks, é que a melhor forma de superar a concorrência é parar de tentar superá-la, criando mercados ainda não explorados. 

Na década seguinte, a computação em nuvem se popularizou, reduzindo drasticamente os custos de infraestrutura, o que possibilitou a explosão das startups, que já nasceram com o consumidor no centro da proposta de valor, inovando com velocidade.

A teoria captura e propaga o movimento. A startup enxuta, de Eric Ries e Business model generation, de Alexander Osterwalder, são de 2011. Zero to one, de Peter Thiel, é de 2014.

A personalização em escala começa para valer. E o growth se torna um modelo mental. Hacking Growth, de Sean Ellis, é apenas de 2018. 

Estamos tão anestesiados pela avassaladora onda de novas empresas, marcas e inovações centradas no consumidor que não percebemos o quanto este movimento  é novo.

Hoje é possível testar e aprender em tempo real. E produtos digitais têm uma liquidez natural – podem ser modificados sem grandes investimentos de capital. Isso traz uma nova perspectiva que expande totalmente as fronteiras da vocação original das empresas.

Então, pouco importa que minha companhia nasceu como um delivery de comida. Se o meu consumidor está pedindo delivery de medicamento, ou eletrodomésticos, serviços financeiros e cursos online, e está disposto a pagar por isso, posso expandir minha proposta de valor. 

Se eu já tive o custo de adquirir aquele cliente, minha missão agora é maximizar seu valor ao longo da vida dele comigo. A natureza do meu negócio, minha especialização ou meus concorrentes não são mais referências – mas sim necessidade de cada um dos meus consumidores.

E se eu fizer isso bem-feito, obterei o maior de todos os benefícios: o efeito de rede.

Bezos, Ma e os ciclos virtuosos do crescimento

Em 2001, Jeff Bezos desenhou o famoso “ciclo virtuoso” nas costas do guardanapo, sentado em um café em Seattle. Em poucas palavras: quanto mais produtos disponibilizados, mais experiência para o consumidor, gerando mais tráfego, o que gera mais crescimento e reduz os custos… e o sistema se retroalimenta.

Quase ao mesmo tempo, Jack Ma tinha acabado de lançar o Alibaba em seu apartamento em Hangzhou. A empresa chinesa nascia como um marketplace B2B para “facilitar negócios em qualquer lugar”.

Vinte anos depois, a Amazon atua ou irá atuar em praticamente em todas as grandes verticais de negócios existentes: computação em nuvem, logística, propaganda, livros, música, filmes, comida saudável, medicamentos, saúde… e contando. 

Em 2003, a Saars causa um lockdown na China, o que alavanca o e-commerce. Jack Ma aproveita sua base tecnológica lança o Taobao, um marketplace B2C. E a partir dele, novos serviços ligados ao negócio, que facilitariam a vida dos vendedores e compradores em suas plataformas: pagamentos (Alipay); computação em nuvem (Alisoft; Alibaba Cloud); marketing digital (Juhuasuan); logística (Cainiao).

Uma cadeia completa de infraestrutura para qualquer negócio que o grupo queira lançar. Isso atrai cada vez mais vendedores. Tanto sortimento traz mais consumidores. Com tanta escala, outras atividades não ligadas ao negócio principal são lançadas: Alitrip, Hema, Alibaba Health, entre outros. Puro efeito de rede. 

Essa estrutura de negócio virou o padrão a ser seguido. Segundo a NFX, 70% do valor criado por empresas de tecnologia vem do efeito de rede. 

Então, nos últimos 10 anos, temos um novo credo nos negócios: começar com um negócio principal bem definido, que oferece uma solução mais eficiente para uma dor real de uma base relevante de usuários. Com o aumento dos consumidores, passar a oferecer novas soluções, primeiro relacionadas ao negócio principal, depois que exploram a escala. A cada novo negócio, novas competências são combinadas com as antigas. A expansão das relações do consumidor com a empresa gera mais dados sobre seu padrão de consumo – e suas prováveis melhores próximas ofertas.

A escala ajuda a refinar os algoritmos com mais velocidade. Quanto mais usuários, melhor os produtos digitais ficam e maior a diversificação, o que atrai mais pessoas. 

Por isso, alguns estudiosos dizem que algoritmos são commodity – o diferencial é a escala. 

De volta para o futuro do varejo brasileiro.

Nem todo mundo percebeu, mas os ecossistemas já são uma realidade no Brasil.

Já tivemos ciclos importantes de fusões e aquisições, mas se antes isso se baseava em momentos de alto poder aquisitivo da população ou estabilidade nos fatores macroeconômicos, que atraíram investidores e possibilitaram aberturas de capital e forte liquidez, agora a motivação é outra: a busca de base recorrente de consumidores e efeito de rede.

A pandemia acelerou o movimento. As vendas do comércio eletrônico aumentaram 74% só no ano passado, segundo o Comitê de Métricas da Câmara Brasileira da Economia Digital. Com mais consumidores em casa e menos nas lojas, até os mais tradicionais varejistas físicos aceleraram sua atuação online. 

Já os nativos digitais, ou os que estavam alguns passos à frente na digitalização sofisticaram suas operações. 

O maior exemplo talvez seja o Magazine Luiza, que se tornou apenas Magalu, e adquiriu 17 empresas desde 2020. Com um portfólio que contam com Netshoes, Época Cosméticos, Jovem Nerd, TonoLucro, GrandChef, InLoco, Canaltech, Steal The Look, entre outras, a empresa passou a atuar em diversas arenas. É difícil nomear os competidores atuais e futuros da Magalu. Isso porque este não é o foco. Mas sim o lifetime value do consumidor e o efeito de rede.

Movimentos similares estão sendo feitos por Via, B2W, Arezzo, Grupo Soma, Dasa, Fleury, Raia Drogasil, entre muitos outros. A corrida pelo consumidor em toda sua vida pulveriza rótulos e categorias, e leva todos a competirem – e cooperarem – com todos. 

Talvez você tenha, como eu, uma preocupação natural em tentar explicar e antever os próximos passos. O melhor caminho, neste caso, é seguir Cícero. E observar o movimento das sombras dos eventos futuros.

Estamos em pleno ciclo de publicação de resultados das empresas de capital aberto. Vale a pena acompanhar as apresentações de resultados e planos estratégicos. Boa parte delas já não estabelece limites de atuação. Pelo contrário, já se fala abertamente na criação de ecossistemas. O território e natureza das próximas fusões e aquisições já estão sendo anunciados. As sombras estão se movendo.

O momento é ideal para isso. O consumidor está mais digital, a tecnologia está mais acessível, o varejo está em transformação, com novos modelos de negócio. Há liquidez no mercado e boas empresas e startups à venda.

Tudo isso deve alimentar uma grande evolução e maturação do mercado brasileiro, em direção à criação de grandes ecossistemas de negócios, a exemplo da Amazon e Alibaba. E seja você profissional, executivo, investidor, desenvolvedor, fundador de startup ou mesmo cliente, esta é uma época única de grandes oportunidades. Basta estar preparado para aproveitá-las. 

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